Reparando o gerador de funções TRIO FG-270 com um golpe de sorte

Atribui-se a Louis Pasteur a frase “a sorte favorece a mente bem-preparada” e você verá, se continuar a ler, que este “causo” que irei contar tem tudo a ver com esta citação do criador da primeira vacina.

Veio a calhar, nestes de tempos de COVID 19 em mundo de negacionistas da ciência e terraplanistas onde vivemos um “pandemia de ignorância”, talvez, pior que a do Coronavirus, lembrar-me da frase de Pasteur, o “cara” que também inventou um método que impede que o leite (não materno), por exemplo, cause doenças.

Mas. passemos ao reparo do gerador de funções TRIO FG-270 e como a “sorte” ou o acaso, se preferirem, me ajudou na empreitada.

Como tudo começou

No final de julho eu comprei um gerador no Mercado Livre anunciado pelo vendedor como TRIO-KENWOOD FG-270 cuja foto aparece na chamada do post.

Obviamente que era um equipamento de segunda mão pois, ele é do final da década de 70 e não é mais fabricado atualmente.

O preço era convidativo, o vendedor garantia que estava funcionando e, como sou apaixonado por equipamentos analógicos, em particular os vintage, resolvi seguir o dito popular – quem não arrisca não petisca.

Dias depois a encomenda chegou e antes de ligar na tomada, abri o bichinho para ver como estava o estado geral, pois se estivesse muito mexido já providenciaria imediatamente a devolução.

O estado geral era bom. Via-se que havia passado por uma restauração visto vez que todos os CI’s (não era tão vintage assim) estavam soqueteados e a solda dos soquetes não era original.

Liguei na tomada, via lâmpada série, por precaução e como não apareceu nenhuma fumacinha com cheiro de “elétron frito”, coloquei o osciloscópio na saída para ver como estavam as formas de onda.

A onda quadrada e a triangular estavam razoáveis mas, não se podia dizer o mesmo sobre a senoidal.

Estava bem distorcida e quando aumentava a amplitude parecia uma retificação de onda completa.

O vendedor havia mencionado no anúncio que possuía o esquema o que também havia me animado a fazer a compra.

Entrei em contato com ele que prontamente me enviou por e-mail dois arquivos em PDF que você pode ver CLICANDO AQUI.

Logo deu para ver que não era o esquema original pelo tipo de desenho mas, numa olhada rápida parecia corresponder ao equipamento e na, pior das hipóteses, pensei que poderia tentar corrigir o problema da senoide “torta” com aqueles esquemas.

Num dos esquemas tínhamos a fonte (incompleta) e no outro o circuito do gerador propriamente dito mal desenhado e com erros.

Antes, porém tentei achar o manual de serviço original, que poderia ter um resumo do projeto bem como instruções de calibração como era praxe os fabricantes fornecerem nos tempos da “eletrônica dos anos dourados”.

Google pra lá, Google pra cá e nada de achar o manual original.

Mas eu, como um bom brasileiro, não desisto nunca.

Lembrei que, às vezes, podemos encontrar na PCI uma inscrição com o verdadeiro “pai da criança”. Já tive alguns êxitos em encontrar esquema usando essa estratégia.

Virando a placa de cabeça para baixo encontrei as seguintes informações: 269-005-EFGH, BK Precision, Copyright 1977.

Bingo! O Function Generator TRIO FG-270 era, na verdade, um projeto de 1977 da BK Precision.

Será que em vez de procurar como TRIO eu procurasse como BK Precision eu encontraria o Service Manual original?

Mas, uma vez, quem não arrisca não petisca.

Horas a fio “gugando” e não petisquei nada.

O jeito, já que eu não tinha cão era caçar como gato, e tentar descobrir o problema da senoide “torta” com aquele esquema fajuto pois, se não tem tu, vai tu mesmo.

Antes porém, como gerar uma onda senoidal?

Se você já é meu leitor/seguidor há algum tempo, então conhece um dos meus “mantras” – antes de começar a “mexer” precisamos saber como a “coisa” funciona.

Se está chegando agora no pedaço vá se acostumando e se pretende ser técnico reparador acrescente o mantra aos seus instrumentos de bancada.

Para quem não sabe, existem, pelo menos, três formas clássicas de se gerar ondas senoidais eletronicamente:

  • Com um oscilador por desvio de fase
  • Com um oscilador Ponte de Wien
  • A partir de uma onda triangular, “arredondando os bicos” do triângulo com algum circuito “conversor” de triângulo em senoide.

As duas primeiras técnicas, nesse caso, estavam descartadas neste gerador.

O oscilador por desvio de fase exige um potenciômetro ou um capacitor variável triplo (no mínimo) para se conseguir variar a frequência e não tinha nenhum dos dois naquele TRIO FG-270.

Para saber um pouco mais sobre o oscilador por desvio de fase CLIQUE AQUI.

No caso da ponte de Wien precisamos de uma resistência não linear no circuito que, geralmente, é obtida com uma pequena lâmpada incandescente.

Este circuito foi usado, por exemplo, num Kit K-1402 da ENGENHO dos anos 90, se não me engano.

Eu tenho um gerador destes por aqui que ganhei faltando peças e até hoje não consegui reparar porque não encontro o esquema.

Fica aqui o pedido, se alguém tiver manda para mim, por favor.

A confraria da eletrônica de raiz agradece.

Como o TRIO FG-270 também não tinha nenhuma lampadinha no circuito, esta outra possibilidade estava descartada.

Restava a mais complicada, ou seja, a conversão da onda triangular em senoidal.

Aliás, essa técnica é utilizada no XR2206 da Exar e no ICL8038 da Intersil.

Dois CI’s clássicos para gerador de funções que são utilizados até hoje.

# Partiu reparação

Agora que eu já sabia o que deveria procurar ficaria mais fácil tentar encontrar o culpado pelo “entortamento” da senoide, uma vez que a onda triangular estava belezinha, ficava excluída da lista de suspeitos até que se provasse o contrário.

Olhando o esquema fajuto que o vendedor tinha me enviado eu descobri que a senoide saia do pino 13 do IC7.

Como eu descobri isso?

A chave seletora de função quando na posição SIN, abreviatura do inglês sinus = senoide, ia ao pino 14 do IC7.

Veja o destaque na fig.1.

Fig.1 – CA3086

Nestas alturas eu já começava a desconfiar que o IC7, um transistor array LM3086 ou CA3086 estava envolvido na conversão da onda triangular em senoidal.

Antes de pensar em trocá-lo como faria qualquer “técnico” de fórum ou Youtube, resolvi dar uma “espiada” com osciloscópio no pino 14 do IC7.

Para minha alegria a senoide que saia dali tenha cara de uma senoide de boa família.

Descartada a troca do CA3086, pelo menos, até segunda ordem.

Havia dois trimpots de ajustes “pendurados” no IC7, nomeados R49 e R50.

Marquei a posição do cursor com uma caneta e resolvi mexer neles e ver que “bicho dava”. O R49, em particular, alterava a senoide que sai no pino 13.

Daí ele segue para o R58 na parte de baixo do circuito o qual está em série com o trimpot R59.

Na parte de baixo do circuito que temos em destaque na fig.2 vê-se um circuito que parece ser um amplificador de potência com os transistores Q12 e Q13 e simetria complementar.

Fig.2 – Saida do FG-270 (esquema ruim)

O circuito está muito mal desenhado. Como Q12 e Q13 são complementares (NPN e PNP respectivamente) a fonte tem que ser simétrica o que não é mostrado no desenho.

Por outro lado, o circuito da fonte também não mostrava a fonte negativa.

Estas desinformações acabaram me levando a perder mais tempo que o necessário para fazer o reparo como veremos mais adiante.

Continuei minha pesquisa com os osciloscópio no circuito do amplificador e descobri que o sinal chegava bem na base de Q9 ou no centro do potenciômetro de amplitude, mas ficava ruim na saída dependendo da posição do potenciômetro de amplitude.

No esquema “fajuto” este potenciômetro está indicado como 10kohms, mais ao medi-lo encontrei 2k5.  Estranhei isso e resolvi removê-lo para ver qual o valor estava marcado nele.

Para minha alegria não havia nenhum valor marcado nele.

Como assim, se não tinha o valor marcado porque ficar alegre?

Enfim, golpe de sorte (parece até história de pescador)

É neste momento que entra o golpe de sorte.

No potenciômetro havia o seguinte código impresso: 008-328-9-001.

Digitei este código na barra de pesquisa do Google e sabem onde fui parar?

Exatamente o que você pensou, no Service Manual do Function Generator Bk Precision 3010 completinho.

E quando digo completinho é com a descrição de funcionamento do circuito, o diagrama em blocos (imprescindível), a função de cada trimpot de ajuste, o procedimento de calibração e, é claro, o esquema desenhado corretamente.

Estes mecanismos de busca de inteligência artificial são realmente fantásticos.

Ele foi capaz de localizar aquele código dentro da lista de peças do arquivo em PDF do manual original.

Isso parece coisa do “demo”!

E foi aí que descobri que o potenciômetro de amplitude era realmente de 2kohms e não de 10kohms como no esquema fajuto.

Encontrando os problemas

Agora com um esquema “decente” na mão eu pude descobrir que a primeira falha era a falta da tensão negativa para alimentar o amplificador de saída. Acompanhe na fig.3.

Fig.3 – FG-270

O esquema do vendedor além de não mostrar essa tensão negativa alimentando o amplificador também não mencionava a sua existência no esquema da fonte por isso, acabei me descuidando deste importante detalhe.

Examinando a fig.4 vemos que a fonte de -15V é obtida no pino 8 do LM324.

Fig. 4 – Esquema da Fonte do FG-270

Foi só trocá-lo, a tensão -15V surgiu e o amplificador voltou a funcionar corretamente.

Com auxílio das funções dos trimpots que vemos na fig.5, extraída do manual da BK Precision 3010, “vulgo” TRIO FG-270, eu consegui ajustar a onda senoidal atuando em R50 e R55.

Ainda não acabou

Temos no painel um controle indicado como DC OFF SET.

Se olharmos a fig. 3 vemos que o potenciômetro que faz este ajuste está ligado entre o positivo e negativo da fonte que alimenta o amplificador de saída. O curso realimenta o sinal de saída para a base de Q10 que compõe a amplificador diferencial da entrada.

Ele tem duas funções, conforme se pode ver no manual.

A primeira é ajustar o nível DC de referência das ondas triangular e por consequência da quadrada e da senoidal.

Veja a fig. 5.

Fig.5 – OFF SET DC

A referência pode variar entre +/- 10V se estivermos sem carga ou entre +/- 5V para uma carga de 600 ohms.

É importante ficar atento este ajuste por que ele cortar uma pedaço da senoide (na parte superior ou inferior)

Ainda segundo o manual existe uma outra função para o ajuste de OFFSET DC que não vi muita aplicação atualmente.

Se mantivermos as três chaves de função desligadas teremos uma tensão variando entre +/- 10V ou +/-5V na saída de 600 ohms.

Outra questão a ser observada é quanto a impedância de saída do gerador que é de 600ohms, valor padrão antigamente.

Hoje os geradores costumam apresentar de saída de 50 ohms.

Se olharmos o esquema da fig.3 veremos dois resistores de 300ohms (R74 e R75) em série na saída do amplificador.

Vou substituí-los por dois de 100 ohms em paralelo e assim, a impedância de saída passa a ser de 50 ohms.

Outra modificação que fiz foi colocar um conector BNC na saída no lugar dos plugs banana originais.

 Fazendo um up grade

Facilitaria muito ter um frequencímetro incorporado ao gerador.

Sendo assim, coloquei o Frequencímetro com PIC que publiquei aqui no blog.

Mas aqui tem um pequeno truque para poder ligar o frequencímetro no gerador.

Em princípio eu cometi um erro ao tentar ligar a entrada do frequencímetro diretamente na saída do gerador.

Entretanto, surgiu um problema óbvio. Quando eu variava a amplitude do sinal o frequencímetro parava de funcionar e, às vezes, produzia uma distorção no sinal.

A ideia é não desistir e tentar encontrar uma solução.

Eu havia incorporado este mesmo frequencímetro no Kit do gerador com XR-2206 que publiquei aqui no blog e funcionou porque eu pegava o sinal na onda quadrada de 5Vpp e não na senoide.

Claro! Como não pensei nisso antes?

O TRIO FG-270 ou BK PRECISION 3010 tem uma saída TTL.

Pronto, foi só ligar a entrada do frequencímetro à saída TTL e os dois viveram felizes para sempre!

No frigir dos ovos, apesar dos pesares a compra valeu a pena.

Será que foi porque a minha mente estava bem-preparada ou foi pura sorte?

No vídeo a seguir temos mais detalhes sobre o projeto.

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

4 Comentários

  1. Ola Paulo ,eu ganhei um pantec g/audio 3405 ,verificando saida 1k nao esta com esse valor esta diferente e vi ao desmontar e oscilador por desvio e face ,tem manual e como calibrar e esquema e li o começo da calibraçao e acho antes de começar a tentar chegar onde e vou ver os capcitores e ai faixa por faixa ate ond ficar diferente na saida ai tentarei calibra-lo .

    • Paulo Brites

      Ola Luiz
      Você se refere a 1kHz, é isso?
      Eu não conheço este gerador.
      Você tem o manual de serviço?
      Se puder me manda em contato@paulobrites.com.br

  2. Warley cesar

    Nú que cancera ,tô até pegando ar.

    • Paulo Brites

      Não entendi nada. Traduz por favor para que eu possa responder. O que significa “Nú que cancera”?

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