SANWA CX506A – 50kΩ/volt – A PEGADINHA

Tudo começou com um vídeo colocado no facebook em que o autor questionava que ao medir a resistência oferecida pelo Sanwa CX560A havia uma inconformidade entre a resistência de entrada medida na escala de 300V e a de 1000V.

Dizia o autor do vídeo: – na posição de 300VDC a resistência medida era 15MΩ o que correspondia a 300V x 50kΩ, entretanto na posição 1000VDC continuava a apresentar15MΩ quando o correto “deveria” ser 1000V x 50kΩ = 50MΩ e terminava perguntando por que isso acontecia.

Sinceramente eu nunca tinha pensado em fazer estas medidas e logo corri a pegar meu “velho” Sanwa 302X para verificar e, para minha surpresa, acontecia algo parecido, os valores de resistência medidos para as posições 500V e 1000V davam iguais.

Aí, os macaquinhos começaram a pular no sótão que tem dentro da minha cabeça e fui conferir o que acontecia com um Kaise SK-20, que anda perdido por aqui, o qual também tem uma escala para 1000VDC, embora sua sensibilidade seja “apenas” 20kΩ/volt.

E não é que este multímetro, “simplesinho, me mostrou 5MΩ para 250V e 20MΩ para 1000V como deveria ser.

Os macaquinhos não sossegaram. Peguei o ICEL MA-70 que é 20kΩ/volt e na posição de 1000V também mostrou os esperados 20MΩ.

Restava mais um analógico na minha coleção, o SH-105, de 50kΩ/volt, como uma escala de 600VDC que deu 30MΩ e a de 1200V com 60 MΩ.

Agora, eu já tinha a primeira suspeita:- o problema parecia estar relacionado aos SANWA, seja lá qual modelo fosse.

Como um bom fã de Sherlock Holmes que sou, conclui que estava na hora de começar a investigar o “mistério”.

# Partiu especificações dos multímetros

Comecei pelo mais óbvio, como faria Sherlock, examinar o que dizia o manual do Sanwa CX506A, causador da polêmica e lá numa das páginas do manual aparecia a “pegadinha”.

Veja no destaque da fig. 1, que recortei da página 48 do manual, o que aparece escondido como um gato com o rabo para fora.

Fig. 1 Página 48 do Manual do Sanwa X506A

 Fig. 1 – Página 48 do Manual do Sanwa CX506A

Isso mesmo que você está vendo, a resistência de entrada é 50kΩ/V, EXCETO, na posição 1000V, quando passa a ser 15kΩ/V.

O mistério estava explicado, ou seja, porque em 1000V dava o mesmo valor de resistência interna de 300V, mas eu ainda estava com a pulga atrás da orelha, queria entender o porquê desta “pegadinha”. 

Se, pelo menos, esta informação aparecesse no painel do instrumento ainda dava para “engolir”, mas somente lá na página 48 do manual, me fez lembrar uma frase dita, há muitos anos, por um ministro, que sem perceber que o áudio da tv estava aberto disse: – o que bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde!

Um pouco desiludido com meu SANWA 320X, que levei quase um ano juntando dinheiro para comprá-lo lá pelos idos de 1968, resolvi olhar o manual para comprovar a traição.

Veja na fig. 2 que, em 1000V e 5000V, a resistência de entrada deixa de ser 50kΩ/V e passa para 25 kΩ/V.

Fig. 2 – SANWA 320X Especificação tensão DC

Fig. 2 – Recorte do Manual do SANWA 320X

A bem da verdade, verifiquei que o 320X até mostra no painel as duas sensibilidades e nem lembro mais se um dia prestei atenção nisso.

Sherlock Holmes continua em ação

O “corpo” foi encontrado, o autor do crime identificado, mas faltava descobrir, o principal, quem era o “mandante”.

Neste caso, o “mandante”, era o projetista e para provar que era ele seria preciso analisar o esquema que vemos na fig.3.

Fig. 3 – Esquema do Sanwa 320X

Fig. 3 – Esquema do Sanwa 320X

Comecemos observando o destaque em vermelho no canto superior esquerdo da fig. 3 onde se pode notar que a posição 500V vai ligada diretamente à posição 1000V, ou seja, sem um resistor entre elas como ocorre nas demais posições.

Isso justificava o fato da resistência de entrada para 1000V ser a mesma que a de 500V.

Entretanto, Watson questionava que ainda havia um “mistério” a ser explicado, ou seja, qual era a “mágica” para não torrarmos o galvanômetro se não tínhamos um resistor para produzir uma queda de tensão entre 500V e 1000V?

A “mágica”, meu caro Watson, é o resistor R6 (7k5) que entra em paralelo com o galvanômetro, apenas na posição 1000V, desviando parte da corrente que passará por ele e não, pelo galvanômetro salvando o pobrezinho.

Notamos ainda no esquema que para a medida de 5000V temos um borne separado com um resistor de 100MΩ em série.

Temos que convir que a ideia do projetista foi criativa, embora tenha economizado um resistor entre 500V e 1000V e gastado outro em paralelo com o galvanômetro.

Não entendi o “enredo desse samba” e o pior ainda porque deixaram a informação escondida numa página do manual.

Investigando o Kaise SK-20 e o Shimizu SH-105

Como foi dito lá atrás, outros multímetros, como o Kaise SK-20 e Shmizu SH-105, por exemplo, não apresentam essa “pegadinha” e basta olhar o destaque em vermelho no esquema da fig.4 do SK-20 para entender por quê.

A resistência de entrada nas medições de tensão DC é 20kΩ/V em TODAS as posições.

ig. 4 – Esquema do Kaise SK-20

Fig. 4 – Esquema do multímetro Kaise SK-20

Algo parecido podemos ver na fig. 5 para o SH-105.

Fig. 5 – Esquema do SH-105

Fig. 5 – Esquema do SH-105

Caso encerrado

Espero que estas explicações encerrem o caso do multímetro que “parece, mas não é” e agradeço ao Lívio Cesar, autor do vídeo no face book por nos trazer essa “polêmica”, que findou por gerar esse artigo/vídeo e chamar atenção de que cada vez mais precisamos ler com cuidado as especificações do que vamos comprar, seja um produto eletrônico ou alimento num supermercado.

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6 Comentários

  1. Rodolfo Karner Junior

    Presado senhor Paulo Brites. Trabalhei como supervisor de manutenção elétro/eletrônica em uma empresa metalurgica multinacional, e tambem em outra empresa ” muitonacional”, esta ultima com tornos CNC Romi Galaxy ( davam mais dor de cabeça do que caipirinha elaborada com etanol ). Hoje, já aposentado, com meus 83 anos de idade, aprecio muito seus artigos, comentarios e, principalmente, seus valiosos ensinos ( vivendo e aprendendo, né?) Ignitrons, Thiratrons e tudo o mais. Bons tempos aqueles… Desejo ao senhor uma ótima saude e muitos anos de vida. Rodolfo Karner Junior- karnerudy@gmail.com

    • Caro Rodolfo, muito bom “ouvir” seu comentário. Realmente, bons tempos aqueles que eu chamo de “eletrônica romântica”. Parafraseando Casemiro de Abreu “Oh! que saudade das minhas válvulas queridas, que os anos não trazem mais!”
      Abraços deste influenciador analógico e até sempre!

  2. Izaías Gama de Vasconcelos

    Excelente o estudo para desvendar a causa.
    Parabéns professor!

  3. Lívio César de

    Professor, obrigado pela importância dada ao meu questionamento e a explicação técnica para tal situação!!!

    Grande abraço e obrigado novamente!!!

    • Meus posts, geralmente, são baseados em situações verdadeiras.
      É muito quando alguém traz uma dúvida instigante para que eu coloque meus “miolos” pra funcionar.
      Abraços e até sempre!

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