Revisitando o Injetor de Sinais

Há muito que eu vinha pensando em escrever um artigo sobre o injetor de sinais, mas sempre ia adiando a tarefa.

Finalmente senti que seria útil tratar dele nas aulas do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites que já estão avançando para o estudo dos amplificadores.

Então, pensei por que não socializar o tema, também com meus leitores do blog?

O injetor de sinais é mais um daqueles “aparelhinhos”, como a lâmpada série, por exemplo, que teve, não apenas seus cinco minutos de famas, mas anos a fio, entre os técnicos reparadores dos velhos tempos como eu e que, de repente, não se sabe por qual razão, parece terem sido vítimas de  um “ataque ideológico” (como as vacinas) e foram abolidos das bancadas dos técnicos.

Eu até arriscaria um palpite para explicar o desprezo a estes importantes auxiliares na pesquisa de defeitos: – uma boa parte das novas gerações de reparadores não sabe, nem se interessa em aprender e entender como os circuitos eletrônicos funcionam e pesquisar defeitos. Fica mais fácil perguntar nos fóruns da Internet qual a peça que deve ser trocada para ganhar o dinheirinho do dia.

Na melhor das hipóteses partem para o “mata-mata”, “testando” pecinha por pecinha, até ver se a sorte mostra uma defeituosa e aí, vida que segue.

O que é e para que serve um injetor de sinais?

Vou começar a responder às duas perguntas pela segunda parte.

Como o próprio nome diz, serve para injetar um sinal em cada ponto do circuito e assim, se possa ver, ou melhor, ouvir como o circuito se comporta.

Isso mesmo, ouvir, porque a aplicabilidade do injetor de sinais é na pesquisa de falhas em circuitos de amplificadores de áudio, preferencialmente, analógicos.

Basicamente o injetor de sinais é um mini gerador de onda quadrada com uma frequência determinada, geralmente, em torno de 1kHz.

A vantagem de se utilizar uma onda quadrada e não uma senóide pura, está no fato dela ser rica em harmônicos e por isso, terá “passe livre” pelo circuito, se ele não estiver defeituoso, independente de possíveis filtros de frequência que existam pelo caminho.

Se constatamos que o sinal “não passa” da entrada para a saída em um determinado estágio do circuito, podemos desconfiar que tem algo errado ali.

Ele faz uma espécie de “ultra sonografia” do circuito!

Não custa reforçar a ideia de que o injetor de sinais se aplica a circuitos de áudio e não é adequado para pesquisa de falhas em circuitos digitais.

No segundo caso sugiro a leitura do artigo “Construindo uma ponta lógica digital”.

Projetando um injetor de sinais transistorizado

Se você já é meu leitor cativo, conhece meus métodos. Se ainda não é, vá se acostumando.

Nada de mostrar circuitos prontos para montar sem explicar os “porquês” do seu funcionamento.

Esse era o diferencial da Revista Antenna (que está de volta) e outras como Radio-Electronics, Eletronic Today, Elektor, para citar algumas. Atualmente temos a Nuts & Volts que segue este padrão

Cada montagem vinha acompanhada de um descrição de funcionamento.

Eletrônica séria não é espetar pecinhas numa placa como se fosse brincar de Lego.

Por outro lado, como o objetivo maior deste artigo são os bons alunos do Clube eles iriam me cobrar, se eu não detalhasse como o circuito funciona e como chegamos aos valores dos componentes.

Então, café no bule e mãos à obra.

Existem várias possibilidades para se fazer um injetor de sinais, ou seja, um gerador de onda quadrada.

A mais simples e barata, a meu ver, é utilizando um multivibrador astável com dois transistores como no circuito mostrado na fig. 1

Fig. 1 – Multivibrado astável

O multivibrador astável é conhecido também como oscilador de relaxação.

É um circuito de chaveamento auto regenerativo bastante utilizado pela sua confiabilidade, embora apresente uma construção bem simples e com pouquíssimos componentes como vemos na fig.1.

Quando se diz auto regenerativo pretende-se dizer que ele é um multivibrador do tipo free-running o que significa que oscila por si próprio sem necessitar de nenhum sinal externo como trigger (“estímulo”) para começar a funcionar.  Quando alimentado pela tensão da fonte começa a funcionar imediatamente e se mantém assim até que a fonte seja desligada.

Como funciona o multivibrador astável transistorizado

Ao ligar a alimentação, teoricamente, os dois transistores deveriam começar a conduzir imediatamente pois, ambas as bases estão polarizadas através de R2 (base de TR1) e R3 (base de TR2) ambos ligados ao Vcc.

Entretanto, devido a uma diferença, por menor que seja, de parâmetros elétricos dos transistores um deles começará a conduzir antes do outro.

Suponhamos, para efeito de análise do funcionamento, que TR2 comece a conduzir primeiro quando o circuito for alimentado.

Assim que TR2 começar a conduzir ele será levado a saturação graças aos valores de R2 e R3 colocados nas bases (veremos isso adiante) e a tensão coletor-emissor ficará próximo de 0V.

Acompanhe a fig.2.

Fig.2 – Funcionamento do multivibrador astável

Note que o terminal D de C2 está ligado ao coletor de TR2 que está com 0V porque este transistor está saturado. Como C2 ainda não está carregado o terminal C de C2 também estará com 0V.

Isto levará TR1 imediatamente ao corte porque sua base está ligada ao terminal C de C2 (o diodo que vemos na fig.2 representa a junção base-emissor de TR1).

Estando TR1 cortado ele se comporta como um circuito aberto e, portanto o terminal A de C1 está “flutuando” (sem tensão) enquanto o terminal B está ligado diretamente à base de TR2 com uma tensão ligeiramente maior que 0,7V pois, este transistor está saturado.

Durante este período o coletor de TR2 (saída Q2) permanece em nível baixo levando C2 começar a se carregar através de R3.

Deste modo a tensão no terminal C de C2 começa a subir com uma constante de tempo determinada por R2 x C2.

Ao mesmo tempo, C1 também começará a se carregar através de R1 (coletor de TR1) cuja resistência é de valor baixo quando comparada a R2 (veremos isso depois).

Assim, a tensão no terminal A de C1 (saída Q1) subirá rapidamente até chegar ao valor de Vcc e se manterá em nível alto.

Como C2 continua a se carregar, ocorrerá um momento crítico quando o seu terminal C atingir um pouco mais de 0,7V e então, TR1 começará a conduzir levando-o a saturação e a tensão de coletor cai para 0V.

Note que o terminal A de C1 está conectado ao coletor de TR1 que está “aterrado”.

Agora C1 está completamente carregado a tensão no terminal B ficará com uma tensão negativa igual a Vcc o que leva TR2 completamente ao corte levando o circuito a uma transição.

Veja a fig.3.

Fig. 3 – Funcionamento do multivibrador astável

Durante este período a saída Q1 permanecerá baixa e a saída Q2 subirá rapidamente até Vcc (devido a carga de C2 pelo resistor R4 de baixo valor).

Ao mesmo tempo C1 se carrega através de R3 e a tensão no seu terminal B subirá com a constante de tempo dada por R3 x C1.

Podemos prever o que acontecerá.

Como C1 continua se carregando o próximo momento crítico ocorrerá quando a tensão no terminal B de C1 atingir um pouco mais de 0,7V.

Perceba que TR2 volta a conduzir enquanto TR1 corta.

Esse processo se repete indefinidamente produzindo a oscilação regenerativa.

Calculando o valor dos componentes

Na descrição do funcionamento você viu que para o circuito começar a funcionar desejamos que os transistores sejam levados à saturação.

Para garantir que isso aconteça devemos fazer com que a corrente de coletor seja maior que a corrente de base dividida pelo hfe do transistor.

A corrente de coletor, neste caso, será calculada dividindo-se a tensão de alimentação por R1 e R4.

Logo o primeiro passo é definir o valor de Vcc.

Como eu pretendia que o “aparelhinho” fosse portátil optei por usar uma bateria como a LR44 que fornece aproximadamente 1,4V.

Outro quesito importante para escolha de um valor de alimentação de tensão baixa é que o valor pico a pico da onda quadrada será igual ao Vcc.

Não é conveniente aplicar sinais de tensão muito alta para analisar circuitos, logo 1,4V me pareceu uma boa escolha.

Lembremos que a corrente de coletor irá depender da corrente de base, entretanto antes de pensar nestas correntes precisamos estabelecer qual o valor da constante de tempo que nos dará a frequência deseja da onda quadrada.

Esta constante de tempo é dada por C1 x R3 = C2 x R2 quando a tensão da onda quadrada atinge 69% do valor de Vcc.

Não irei me estender na matemática por trás do cálculo desta frequência, mas, posso “jurar” que ela pode ser calculada pela fórmula abaixo.

                                    

Onde R e C são os valore de R3, C1 e R2, C2.

Aqui precisamos dar alguns “chutes” para começar as contas. Como os valores dos capacitores são mais difíceis de se conseguir que os dos resistores vamos iniciar por eles.

Chutei 15nF para uma frequência próxima de 1kHz e obtive um valor próximo a 39K.

Estabelecido que o resistores de base (R2 e R3) serão de 39k podemos calcular a corrente de base que neste caso será dada dividindo-se 1,4V por 39k e obteremos aproximadamente 36µA.

Para garantir que o transistor entre em saturação precisamos que a corrente de coletor seja maior que este valor.

Como o circuito será alimentado por bateria é conveniente que o consumo de corrente seja bem pequeno, digamos 0,5mA o que nos dá um valor próximo de 3k3.

Para os transistores escolhi dois BC547 “pau pra toda obra”!

Hora de montar e conferir

Ao terminar um projeto, antes de partir para a montagem definitiva devemos montá-lo numa protoboard para confirmar que não houve nenhum erro de cálculo e se funciona como esperado.

Provavelmente teremos que fazer alguns ajustes. Os cálculos servem como um balizamento para encontrar os melhores valores. Um ponto de partida.

No meu caso eu obtive cerca de 1000Hz, como desejado, com os valores escolhidos, mas poderá variar por conta dos valores dos componentes.

Outro ponto que precisa ser mencionado é com relação as formas de onda de saída.

Elas não serão exatamente uma onda quadrada com “cantos bem vivos”. Notaremos um arredondamento na subida por causa da carga do capacitor.

Para esta aplicação isto não é significativo e pode ficar assim mesmo.

Num vídeo que vai acompanhar este artigo veremos isso.

Agora sim vamos partir para montagem definitiva.

Resolvi utilizar uma seringa hipodérmica para alojar a placa com os componentes e a bateria LR44 como vemos na fig.4

Optei por uma placa padronizada tipo mar de ilha porque não tenho muito tempo para fazer placas de circuito impresso.

Todavia, seria uma boa experiência para estudantes uma vez que o circuito é bem simples.

Na aba Livros Grátis na parte superior da página você encontrará um manual ensinando a usar o Easy EDA do meu amigo João Alexandre da Silveira.

No vídeo abaixo teremos mais detalhes da montagem bem como a forma de onda obtida.

Por enquanto é só, aguardo seus comentários e ‘bora aprender sempre!

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

8 Comentários

  1. Paulo ,professor gostei do circuito pois estou montando uma cx com fonte que tem injetor de sinal ,canal de fI 455 um amplificador de som um circuito de diodo para escutar rf e audio comum,um circuito para cristal .

    • Paulo Brites

      Que bom Luiz
      Depois contsa como ficou

      • Sergio Sugeda

        Professor,
        Segundo a explicação, caso seja montado usando todos os componentes exatamente com as mesmas características elétricas (tr1=tr2, c1=c2, r1=r4 e r2=r3) o oscilador não partiria?
        Cado afirmativo, qual seria o componente a ser alterado para garantir a partida?
        R3?

        • Paulo Brites

          Caro Sergio, todos os os compnentes são importantes para dar partida no oscilador e isso está expliado no artigo.
          O mais importante é diferença entre os hfes dos transistores. Aqui não funciona usar “transistores casados”. Devem ser “divorciados”
          Sugiro uma re leitura mas atenta e a partir dela fazer alguns expeimentos numa protoboard para ir tirando conclusões.
          Não adianta tentar fazer usado softweres virtuais, tem que ser componentes de verdade.
          Com os componentes sugeridos funcionou, se quiser usar outros tem que experimentar. Os cálculos mostrados são apenas um ponto de partida. Em quase todo projeto é assim.

          • Sergio Sugeda

            Agradeço pelo retorno.
            Acho que esse é um circuito que é mais fácil entender o não funcionamento do que o funcionamento.
            Aviso que já montei vários e todos oscilaram normalmente.

            • Paulo Brites

              Entender o funcinamento em sua plenitude exige um pouco mais de matemática que não me parece valer a pena entrar nela. Fica só para os loucos como eu rsrsrs.
              Realmente vc vai encontrar várias opcões por ai que, em geral, funcionam.
              Eu comecei a brincar com estes cicuitos no tempo das vávulas, geralmente, usadn um duplo triodo como 12AX7 ou 12AU7
              Quando um trido “envelhecia” mais que o outro era um problema.

  2. Henrique Grizotti

    Ahhh, o bom e velho injetor de sinais, ainda tenho o meu, tratado com carinho desde a época de aluno do Curso Electra.
    Curto amplificadores, sons 3 em 1 antigos e outras “coisas velhas” como dizem meus filhos e agora a minha mulher também, já que o AP está ficando pequeno.
    Nada melhor para auxílio na busca de defeitos desses “senhores” que um injetor de sinais.

    Parabéns professor.

    • Paulo Brites

      Ótimo apoio caro Henrique Vamos incentivar está rapaziada a pensar fora da caixa
      Abraços

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