Falso positivo e falso negativo

Eis aí duas expressões – falso positivo e falso negativo – que passamos a ouvir, algumas vezes, nas entrevistas aos médicos, nestes tempos de pandemia.

Elas estão associadas aos testes que deveriam ser feitos e a eficácia deles para “comprovar” se o sujeito foi contaminado pelo CORONAVIRUS, seja na festa “clandestina”, no ônibus superlotado indo para o trabalho ou, sabe-se lá onde.

No primeiro caso por irresponsabilidade e falta de amor ao próximo, no segundo para arranjar o din-din e comprar o arroz e feijão, de cada dia, cujos preços estão, cada vez mais, pela hora da morte (literalmente).

Mas, você deve estar a se perguntar o que o falso positivo e falso negativo dos testes do CORONAVIRUS, ou melhor, para diagnóstico da COVID-19, tem a ver com eletrônica?

Você irá entender e continuar a ler.

O resultado de qualquer medição, seja ela num exame laboratorial ou num circuito eletrônico vai depender, basicamente, de três fatores:

  1. Experiência de quem faz a coleta do material num exame laboratorial ou de quem faz a medição num circuito eletrônico.
  2. Equipamento usado para a medição
  3. Interpretação dos resultados

O que me levou a escrever este post, não foram os testes da COVID 19, sobre os quais eu não sou especialista e sim, o questionamento de um aluno do Clube Aprenda Eletrônica com Paulo Brites com relação a medidas que ele fizera num pequeno circuito com um pré-amplificador transistorizado que fora proposto numa das aulas do Clube.

Na referida aula eu apresento as medições no circuito da fig.1 e a seguir sugiro a simulação de 11 falhas possíveis de ocorrer e o mostro os resultados entre a medição com o circuito funcionando e o que ocorreria em cada falha.

Fig. 1 – Pré amplificador didático

Quando ele relatou que algumas de suas medidas apresentaram resultados bem diferentes dos meus resolvi, como sempre faço, rever a aula para ver quem estava “errado”.

Ele estava com a razão, havia erros de digitação em algumas tabelas e percebi que eu havia “esquecido” de incluir uma aula importante com a análise de cada falha.

Ao trabalhar na nova aula fui percebendo que algumas coisas poderiam acontecer num caso real e que se enquadrariam nos três tópicos que mencionei anteriormente.

A ideia de escrever um artigo sobre o tema ficou martelando na minha cabeça por vários dias e aqui está ele, um spoiler da aula, relatando observações que fiz durante os testes para a referida aula e que passo a denominar de descobrindo sete (não é conta de mentiroso) falhas prováveis pelas medidas de tensão e suas consequências em um circuito transistorizado.

Ei-las:

  1. Resistor de Coletor aberto ou muito alterado
  2. Resistor de Emissor aberto ou muito alterado
  3. Resistor R1 aberto ou muito alterado
  4. Resistor R2 aberto ou muito alterado
  5. Junção base-coletor aberta
  6. Junção base-emissor aberta
  7. Junção coletor-emissor aberta

Por que é importante saber isso?

A maioria dos técnicos reparadores “aprendeu” a identificar falhas nos circuitos retirando transistores e diodos da placa para testá-los “do lado de fora” com o multímetro, digital ou analógico.

Embora eu julgue que esta nem sempre seja a melhor maneira de se identificar defeitos em semicondutores em uma PCI ela até “funcionou” antes da chegada dos componentes SMD.

Novos problemas exigem novas soluções, como disse Einstein.

Neste caso particular nem se trata de novas soluções, pois elas sempre existiram, apenas poucas vezes é usada, que é avaliar a falha analisando as tensões no circuito.

Alegar que não adianta medir se no esquema não temos os valores das tensões não é uma boa desculpa.

Mas, aí entra um tema sobre o qual já escrevi aqui no blog: O técnico em Eletrônica precisa saber eletrônica e é sobre isso que vou tratar neste post ao dar algumas dicas analisando passo a passo  sete das onze falhas apresentadas na aula.

Para não ficar apenas da teoria eu sugiro que você monte o circuito da fig.1 numa protoboard e realize algumas medições anotando-as numa tabela como a que aparece abaixo na qual eu mostro as minhas medições como referência.

Tabeela 1 – Medidas no pré amp didático

Na primeira coluna temos as medições que obtive com o digital ICEL MD-1002 e na segunda com analógico ICEL MA 70A.

Embora, praticamente não se use mais instrumentos analógicos nestes casos, o fiz para chamar a atenção de como o equipamento poder mudar o resultado da medida.

É possível que você encontre valores ligeiramente diferentes dos meus mas, até 10%, acima ou abaixo, são aceitáveis.

Agora que temos os valores do circuito funcionando vamos simular cada uma das sete falhas propostas, fazer as medidas e analisar os resultados.

Antes porém, quero chamar atenção para duas medições que estão em vermelho na Tabela 1: VB e VCB.

Reparou que existe uma diferença considerável entre a medida feita com o digital e o analógico?

Você saberia explicar por quê?

O item 2 responde – Equipamento usado para a medição.

O voltímetro digital oferece uma impedância de entrada de 10MOhms, enquanto no analógico esta impedância irá variar de acordo com a escala utilizada portanto, a carga do voltímetro no local da medição poderá fornecer um resultado falso negativo e aí entram os dois itens da lista: – experiência de quem faz a medida e interpretação dos resultados.

Pense nisto!

FALHA Nº 1 – RESISTOR DE COLETOR ABERTO OU ALTERADO

Retire o resistor de coletor como mostrado na fig.2.

Fig.2 – Pré amplificador com resistor de coletor aberto

Antes de efetuar as medições vamos analisar o que devemos encontrar.

Na prática é pouco provável que o resistor apresente “resistência infinita” como nesta simulação e sim uma alteração de valor para maior.

Com RC aberto (resistência infinita) não haverá corrente de coletor e a tensão VC deverá ficar próximo de 0V.

Em princípio poderíamos pensar que o transistor está saturado.

Par dirimir esta dúvida devemos fazer mais três medidas: VE, VBE, VCE.

Ao medir VE e encontrar praticamente o mesmo de VC  começamos a desconfiar que o resistor de coletor está aberto ou muito alterado.

Confirmaremos o diagnóstico ao encontrar VCE =5,6mV e VBE = 0,566V pois, para o transistor estar saturado VBE deveria ser bem maior que 0,7V.

Tabela 2 – Medidas com resitor de coletoru aberto

Percebeu que com algumas medidas de tensão podemos determinar a falha sem remover vários componentes do circuito inutilmente?

Entretanto, vale ressaltar que os resultados seriam diferentes se tivéssemos um transistor digital no circuito.

Por duas razões:

  • Os transistores digitais já trazem incorporado os resistores de polarização.
  • A lógica dos valores de tensão no circuito digital é completamente deferente dos circuitos analógicos.

Resumindo veja na Tabela 2 acima os valores que encontrei para o caso do resistor de coletor aberto (removido do circuito).

FALHA Nº 2 – RESISTOR DE EMISSOR ABERTO OU ALTERADO

Neste caso podemos desprezar a presença do capacitor de emissor porque, a menos que esteja com fuga ou em curto, não irá interferir nas medidas de tensão DC.

Fig. 3 – Resistor de emissor aberto

Com RE aberto não haverá corrente de emissor e por consequência também não haverá corrente de coletor nem de base.

Se não há corrente de coletor então, VC = VCC e VCE = 0V assim como VBE = 0V.

Entretanto, ao medir VE você poderá se surpreender ao encontrar uma tensão muito próxima de VB.

Temos dois motivos para que isso aconteça, a saber:

  • Corrente de fuga ICBO
  • O voltímetro conectado entre emissor e terra pode fornecer um “caminho’ para corrente pela sua impedância interna.

Veja na tabela 3 as leituras que obtive.

Tabela 3 – Medidas com resistor de emissor aberto

Observe o sinal negativo em VCB pois, esta junção deve ser polarizada inversamente, ou seja, num NPN devemos ter a base negativa em relação ao coletor.

FALHA Nº 3 –RESISTOR R1 ABERTO OU ALTERADO

Nesta caso aa base fica ligada diretamente à terra através de R2 e portanto, o transistor está cortado, ou seja, não temos polarização na base e por consequência não teremos corrente de coletor.

Fig. 4 – R1 ABERTO

Esta é uma falha bem fácil de identificar. Pelas medições de tensão vamos encontrar VC, VB, VE e VBE iguais a 0V e VCE = VCC.

Veja a tabela 4.

Tabela 4 – Resistor R1 aberto

FALHA Nº 4 –RESISTOR R2 ABERTO OU ALTERADO

Com R2 aberto a tensão e a corrente de base irão aumentar porque o divisor de tensão que polariza a base fica alterado e ela fica polarizada apenas por R1 e a resistência de entrada da base multiplicada por hfe.

Fig. 5 – R2 ABERTO

Vamos começar dando uma olhada na tabela 5 com as medições que eu fiz.

Tabela 5 – Medidas com R2 aberto

Num primeiro momento olhando apenas VCE próximo de 0V poderíamos pensar que o transistor está saturado.

Entretanto, ao medir VBE e encontrar um valor menor ou próximo de 0,7V concluímos que o transistor não está saturado logo problema deve ser o resistor R1 aberto ou muito alterado.

FALHAS NO TRANSISTOR

Vamos analisar agora falhas no transistor. Elas tanto podem estar relacionadas a junções abertas ou em curto.

Vou analisar os casos de junções abertas e deixo para o leitor simular e tirar suas conclusões sobre junções em curto.

FALHA Nº 5 – JUNÇÃO BASE-COLETOR ABERTA

Esta é uma falha interna no transistor que pode ocorrer de duas formas:

  1. “Destruição” da junção
  2. Má conexão entre um ou os dois terminais (base/coletor) e o transistor (semicondutor) propriamente.

O efeito nas medições será o mesmo.

Não teremos corrente de coletor e portanto VCE = VC.

É uma falha difícil de ser simulada na protoboard.

Fig. 6 – Junção Coletor-Base aberta

Simplesmente desconectar os terminais talvez não produza o mesmo resultado que a falha “real”.

À primeira vista poder-se-ia pensar em R1 aberto pois, nos dará o mesmo resultado, VCE = VC, e por isso, precisaremos aprofundar mais a análise começando com a tensão VB.

Examinemos o que vai ocorrer com a tensão VB com o auxílio da fig. 7

Fig. 7 -Circuito equivalente com junção Base Coletor aberta

Temos que considerar que R2 passou a ficar em paralelo com RE, com a junção base-emissor, representada na fig. 7 pelo diodo, intercalado entre R2 e RE.

Cálculo de VB com Base Coletor abaerta

Neste exemplo devemos, ter pelos cálculos, VB = 0,88V e VE = 0,18V..

Se compararmos estes resultados com os da tabela 4 obtida para R1 aberto notaremos a diferença.

FALHA Nº 6 – JUNÇÃO BASE-EMISSOR ABERTA

Pode ocorrer da mesma maneira a que foi descrita na falha nº 5 e é difícil simular na protoboard.

Fig. 8 – Junção Base Emissor aberta

O transistor também não irá conduzir portanto, VCE = VC.

VE será igual a 0V, e embora o resultado de VBE seja duvidoso ainda assim teremos a tensão VB produzida pelo divisor de tensão R1-R2.

FALHA Nº 7 – JUNÇÃO COLETOR-EMISSOR ABERTA

Novamente como nos casos anteriores o transistor também não irá conduzir.

Fig. 9 – Junção coletor emissor aberta

Mas agora, teremos tensão VBE, possivelmente assumindo um valor negativo bem superior a 0,7V.   

Sempre teremos que usar estes procedimentos?  

Eu até arriscaria dizer que não pois, uma boa parte das falhas nos circuitos são simples e, às vezes, podem ser resolvidas só com um olhar.

E quando a coisa complicar, vai fazer o quê?

Ficar pedindo aquelas dicas insanas na Internet a espera do milagre?

Isso não é coisa de técnico, é coisa de trocador de peça.

O técnico de verdade precisa ter um bom conhecimento teórico para na hora que o “bicho pegar” colocar a “massa cinzenta” do cérebro para funcionar.

Simples assim!

Aguardo os comentários.

                              

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

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