Associação de pilhas e baterias em série e paralelo

Associação de pilhas e baterias em série e paralelo

No dia 18 de dezembro foi realizado um concurso público para técnico em eletrônica da UFRJ e caiu uma questão sobre associação de baterias em paralelo. Um amigo que prestou o concurso pediu-me que analisasse a resposta do gabarito para ele.

Achei a questão bastante interessante e que merecia um artigo sobre o tema de associação de pilhas e baterias em série e paralelo.

A referida questão está mostrada na fig.1.

fig-1-questao-39-concurso-da-ufrj

fig-1-questao-39-concurso-da-ufrj

Antes de começar a análise da questão propriamente dita gostaria de fazer aqui um parêntese e mencionar que sob o ponto de vista conceitual ela é interessante, entretanto não apresenta nenhuma utilidade para um técnico uma vez que na prática não se usam pilhas ou baterias ligadas em paralelo justamente por causa da resistência interna das mesmas e isto será objeto de discussão ao longo do artigo.

Analisando a questão

Na primeira parte da questão diz que “uma bateria é ligada a uma resistência de 11,5Ω”, obtendo-se uma corrente i1. (faltou o “se”).

Antes de prosseguir gostaria de chamar a atenção que o correto seria dizer “ligada a um resistor ou dispositivo cuja resistência é 11,5Ω”, uma vez que existe uma diferença conceitual entre os termos resistor e resistência, mas isto é só um detalhe que não posso deixar de mencionar “para o bem da semântica linguística!”.

A seguir a questão menciona que mais duas baterias idênticas serão ligadas em paralelo com a primeira e a corrente (produzida) passa a ser 0,25A.  Diz ainda, que as baterias têm resistência interna igual a 1,5Ω e pede para encontrar o valor da corrente i1 que foi produzida por uma única bateria.

Façamos dos desenhos representando cada parte da questão.

Na fig.2 temos uma única bateria e na fig.3 acrescentamos mais duas baterias idênticas em paralelo.

Fig. 2 - Questão 39 Primeira parte

Fig. 2 – Questão 39 Primeira parte

Fig. 3- Questão 39 segunda parte

Fig. 3- Questão 39 segunda parte

O que é resistência interna?

Parece-me pertinente antes de tudo discutir o conceito de resistência interna de um gerador de força eletromotriz, também chamado de gerador de tensão.

Todo gerador de força eletromotriz (f.e.m), que no nosso caso é uma pilha ou bateria, portanto um gerador que transforma energia química em energia elétrica possui internamente uma resistência (ri) cujo valor ideal é zero ohm. Na prática este valor é impossível de ser obtido pela própria construção do dispositivo embora os fabricantes se esforcem para que o valor da resistência interna seja o mais próximo de zero ohm possível. E aqui está a principal diferença entre uma pilha/bateria de qualidade e uma “ching lin” bem como de uma bateria nova para uma usada.

O valor da f.e.m (tensão) produzida por uma pilha ou bateria é função dos metais e da solução química utilizados para sua construção e permanece praticamente inalterado ao longo da vida da pilha.

Achou estranha a frase acima? Então a tensão nos terminais da pilha não diminui com o uso?

Sim, diminui e aqui precisamos diferenciar o conceito de f.e.m e de d.d.p (diferença de potencial) que é o que efetivamente medimos nos terminais (AB) da pilha.

Vejamos na fig.4 o circuito equivalente de um gerador de tensão (neste caso de “corrente contínua”) que pode ser uma pilha.

Fig.4 - Circuito equivalente de um gerador

Fig.4 – Circuito equivalente de um gerador

À medida que a pilha vai debitando corrente e envelhecendo a sua resistência interna vai aumentando por causa do processo químico interno que é degenerativo o que faz com que a tensão (d.d.p) nos seus terminais diminua.

Se a pilha está nova e sua resistência interna é bem baixa (quase nula) e então a d.d.p (tensão nos terminais da pilha) ficará praticamente igual a f.e.m.

É bom que fique logo claro para os iniciantes que esta “resistência interna” não pode ser medida com o ohmímetro.

Quando temos uma corrente circulando na carga ela produzirá uma queda de tensão internamente sobre a resistência interna da pilha fazendo com que o valor medido sobre a carga seja menor que a f.e.m produzida pela pilha.

Acompanhe o que acontece pela fig.5.

Fig.5 - Gerador com carga

Fig.5 – Gerador com carga

Por isso, quando medimos a tensão nos terminais de uma pilha com um voltímetro digital, às vezes, encontramos um valor bem próximo do seu valor nominal, mas ao colocá-la em uso a tensão caia drasticamente. O voltímetro digital tem uma resistência de entrada igual a 10 ou 11MΩ e não representa uma carga significativa a menos que resistência interna da pilha já tem atingido um valor bem alto.

Começando a resolver a questão

Voltemos à fig.2 e chamemos de Ei a f.e.m das baterias (que o enunciado diz que são idênticas), ou seja, a tensão nominal da pilha que é o valor que ela apresenta em seus terminais quando “novinha em folha”. Como a ri foi dada como igual 1,5Ω temos a seguinte equação:

Equação 1

Equação 1

Até aqui não chegamos a lugar nenhum. Continuemos, pois.

Associação de baterias em série em paralelo

A associação de pilhas ou baterias em série é bastante utilizada na prática e o objetivo é obter-se uma “fonte” de tensão DC cuja d.d.p final seja maior que de uma única pilha.

Um exemplo bem comum de aplicação são os controles remotos dos televisores sem os quais “não dá mais para ser feliz!”.

Não podemos nos esquecer, entretanto que embora a d.d.p final seja a soma das d.d.p de cada célula, o conjunto passa a oferecer também uma resistência interna maior.

Se utilizássemos as baterias da questão 39 em série em vez de paralelo, como proposto, a resistência interna do conjunto passaria a ser 4,5Ω e a f.e.m. seria 3 x Ei.

Entretanto o problema propõe que usemos três baterias idênticas em paralelo.

Neste caso a f.e.m (Ei) do conjunto permanece igual a f.e.m de cada bateria, mas quanto a resistência interna o que acontece?

Se você desconfiou que o resultado final será igual ao de três resistências em paralelo, mandou bem!

Isto poder ser demonstrado usando-se as Leis de Kirchoff, por exemplo, mas não o farei aqui para não tornar o artigo maior ainda.

Olhando o circuito da fig.3 que corresponde a segunda parte do problema podemos escrever a seguinte equação:

Equação 2

Equação 2

Percebeu que 0,5 corresponde ao valor das três resistências internas de 1,5Ω (cada uma) em paralelo, enquanto 0,25 é o valor da “nova” corrente no circuito com três baterias em paralelo?

Da equação acima concluímos “num passe de mágica” que Ei = 3V que é justamente o valor que precisávamos para poder encontrar a corrente i1 como vemos retornando à equação 1.

Logo i1 = 3 / 13 = 0,23A que corresponde a opção D.

Da teoria para a prática

A análise do problema sob um olhar meramente teórico pode nos levar a conclusão que ao adotar o procedimento de baterias em paralelo tivemos um “ganho” uma vez que a corrente no circuito diminuiu o que levará também a uma redução na dissipação de potência na carga.

Em primeiro lugar pode-se contra argumentar que a redução na corrente é tão insignificante (de 0,25 para 0,23) que o custo é maior que o benefício.

Mas, esta não é a principal crítica. Na prática nunca se usam pilhas ou baterias em paralelo porque o efeito final não é exatamente o calculado por uma simples razão:- mesmo que as baterias fossem “trigêmeas” suas resistências internas não seriam exatamente iguais e uma bateria acabaria consumindo energia da outra.

Resolvendo a questão 40

Aproveitando que já estamos tratando desta prova vou comentar a questão 40 que não apresenta nenhuma opção correta e o gabarito nos dá um valor completamente absurdo. Vamos à questão que está na fig. 6.

Fig.6 - Questão 40

Fig.6 – Questão 40

Para começar eu não sei o que levaria alguém a colocar três resistores em paralelo dentro de um gerador. Talvez o mesmo “técnico” que resolveu usar baterias em paralelo!

Suponhamos que a intenção era dizer que tínhamos três resistências em paralelo que com os valores dados nos dá uma resistência equivalente igual a 170/17  7Ω.

Com os dados do problema a única conta que se pode fazer nos dá

                      P = R I2  = 7 x 202 = 2800W = 2,8kW

A questão não está bem formulada posto que com os dados fornecidos o que se pode calcular é a potência dissipada dentro do gerador, além do mais ao falar, de potência de um gerador precisamos mencionar também potência útil e rendimento o que não foi feito.

Parece-me que o objetivo era saber se o candidato sabia usar as fórmulas de potência e resolveram “contextualizar” como dizem os pedagogos de plantão.

Mais uma vez temos uma questão de concurso público que, além de mal formulada, não apresenta resposta correta dentre as opções.

Sem comentários!

Feliz Natal

doacao

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Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

2 Comentários

  1. HERMANO FREIRE

    Muito bom o artigo e Paulo como sempre é preciso e esclarecedor no que escreve desde os tempos da Antenna.

    • Paulo Brites

      Obrigado Hermano, gosto do que faço e fico feliz quando as pessoas entendem coisas que, às vezes, consideram difíceis.

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