O Darlington que deixou de ser Darlington

O Darlington que deixou de ser Darlington

O título aparentemente estranho deste post surgiu, por conta de um fato inusitado que aconteceu recentemente comigo ao me deparar com um transistor Darlington que deixou de ser Darlington num pré amplificador limitador 1612A da Altec que estou reparando.

Limiter Amplifier ALTEC 1612A

Limiter Amplifier ALTEC 1612A

Achei que a experiência pela qual passei poderia ser útil para algum colega e por isso, resolvi contá-la para mostrar que se não tivermos cuidado e não ficarmos atentos aos mínimos detalhes podemos nos enganar facilmente ao avaliar um semicondutor.

Antes de tratar do assunto propriamente dito, vale dizer que “Darlington”, para quem por ventura não sabe, é o nome como é conhecida uma configuração com dois (ou mais) transistores NPN ou PNP que foi inventada em 1953, pelo engenheiro da Bell Electronics, Sidney Darlington.

Construção de um Darligton com 2 transistores NPN

Construção de um Darligton com 2 transistores NPN

A ideia do criador da configuração foi ligar dois (ou mais) transistores, como foi dito, de modo que o emissor do primeiro transistor fosse o responsável por excitar a base do segundo (ou seguintes) e os coletores seriam ligados juntos.

Teoricamente poderíamos usar mais de dois

Darligton em um único encapsulamento

Darligton em um único encapsulamento

transistores, como foi a ideia do “nosso amigo” Darlington, mas na prática o que acabou dando certo foi trabalhar com dois transistores apenas e embora possamos construir o circuito com transistores discretos, como mostrado na figura, é bastante comum encontrarmos tudo montado num único encapsulamento e sem termos acesso a base do segundo transistor (o que pode se tornar um problema, como veremos).

E aqui, eu abro um parêntese para chamar atenção que, às vezes, o transistor mesmo sendo Darlington, é desenhado no diagrama do aparelho como um transistor convencional. Aliás, foi exatamente isto que aconteceu no meu caso como veremos no decorrer da minha historinha.

Ainda para os novatos, vale a pena mencionar que a grande descoberta de Darlington foi construir um “novo” transistor cujo ganho (b = beta ou hfe) passaria a ser o produto dos ganhos de cada transistor individualmente.

Por exemplo, se o b de cada transistor for igual a 100 a configuração Darlington nos oferecerá um transistor com b = 100 x 100 = 10.000!

Uma questão que é preciso estar atento é que na hora de avaliar este tipo de transistor, quer seja com um multímetro analógico ou digital, temos que ter cuidado com relação à leitura da junção base-emissor.

Num transistor “normal” a tensão da junção da base-emissor, em um multímetro digital na função diodo, deverá ser entre 600 e 700 mV aproximadamente, entretanto em se tratando de um Darlington deveremos medir algo entre 1200 e 1400 mV, pois estaremos medindo a soma dos dois Vbe.

Saber este conceito foi fundamental no meu caso para concluir, que tinha me deparado com um Darlington que tinha deixado de ser Darlington.

“Metendo a mão” no Altec 1612 A

Ao receber o aparelho, que é do final dos anos 70, a primeira coisa que eu fiz, após a obrigatória inspeção visual prévia para ver se tudo estava aparentemente “normal”, foi ligar o dito cujo através de uma lâmpada série de 60W já que a etiqueta no aparelho indicava que o consumo era de 33W.

Mão no interruptor, por precaução, e como não saiu nenhuma fumacinha nos primeiros 60 segundos, relaxei e comecei a medir as tensões em todos os terminais dos transistores e fui anotando em uma tabela para comparar os valores encontrados com as de um “irmão gêmeo” deste “espécime” que eu já havia reparado e testado há algum tempo.

Como eu digo sempre, a organização é metade da execução, e foi justamente ter guardado estas anotações o que me ajudou a descobrir o problema.

Comecei pelo Q1 e até chegar ao Q4 os valores encontrados estavam bem próximos do outro aparelho, mas ao chegar ao Q7 “tocou o alarme”, pois as tensões de base e emissor mostraram divergências “escandalosas” em relação aos valores que eu tinha registrado no outro aparelho.

Medidas em Q7

Medidas em Q7

Várias poderiam ser as razões para estes valores estarem discrepantes, mas como sempre a culpa é do mordomo, e neste caso o “mordomo” era Q7, comecei por ele.

Retirado o transistor da placa e medidas as junções base-emissor e base-coletor os valores encontrados pareciam indicar que, em princípio, o transistor estava bom, a menos que fossem aquelas fugas só detectáveis na escala ôhmica de um bom analógico.

Antes de partir para o meu Sanwa 320X, já ressuscitado com a adaptação feita para a bateria de 22,5V, resolvi fazer duas coisas.

A primeira foi inspecionar cuidadosamente os componentes em torno do Q7 e a segunda foi analisar cuidadosamente o esquema que mostro redesenhado em parte aqui, pois o original está muito  ruim.

Parte do Esquema do Altec 1612A

Parte do Esquema do Altec 1612A

De cara encontrei C13, um eletrolítico de 50mF por 25V, totalmente em curto.

Seria ele o “mordomo”, então? Uma boa analise do circuito não mostrou tão forte esta possiblidade.

Resolvi então olhar o part list do manual de serviço e aí eu descobri que o transistor Q7 era o 2N5308 e mais ainda, tratava-se de um Darlington.

Darlington? Mas quando eu testei com o digital ele não se comportou como um Darlington de boa família e sim como um transistor “normal”, pois a junção base-emissor me deu 656     mV.

Por um momento, cheguei a pensar que eu não sabia o que era um Darlington e o pior ainda, poderia ter passado a vida toda ensinando errado.

Felizmente havia mais dois “parentes” do 2N5308 na placa. O Q5 e o Q11.

Tirei um deles e medi, cruzando os dedos. Ufa! Ainda bem, porque agora a base-emissor deu 1209 mV, o que garantia que eu sabia o que era um Darlington e não tinha passado a vida ensinando errado!

Que alívio, já que Q5, “irmão gêmeo” de Q7 estava medindo como um bom Darlington de “sangue azul”.

Então, aquele maldito Q7 era um Darlington que deixou de ser Darlington (talvez por uma desilusão amorosa, quem sabe?).

Neste momento nada melhor que repetir uma das minhas frases preferidas: “quando a gente pensa que sabe todas as repostas, a vida muda todas as perguntas”.

Sinceramente, nos meus quase cinquenta anos de ferro de solda, não me lembro de ter um encontrado um Darlington degenerado como este.

Uma lição para não ser esquecida

A primeira coisa que me ajudou a provar que o “mordomo” (Q7) era o culpado foi o fato de possuir uma tabela com as tensões corretas e poder comparar as medidas.

Se eu não tivesse uma tabela com os valores de tensões corretos e se não descobrisse pelo part list que o transistor era um Darlington e, além disso, tivesse outro igual pra comparar, não sei se a história teria um final feliz, pois no esquema ele aparecia desenhado como um transistor “normal”.

Ainda não acabou

Infelizmente ainda não posso correr para o abraço (e colocar o dinheiro no bolso) porque não consegui o transistor para comprar.

Apelei para um “suposto” equivalente (BC517), mas as medidas de tensão na placa ficaram piores que antes com o Darlington “perneta” no lugar.

O 2N5308 é um transistor com ganho da ordem de 20000 segundo o data sheet. Achei na China, mandei vir e agora só resta sentar e esperar.

Se tudo de certo, eu conto depois.

Até sempre

Aracaju 2

Rate this post

Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *