A eterna polêmica terra versus neutro

Fio terraVou começar este post com uma pergunta feita por um dos meus leitores: “em uma residência alimentada por 127V, caso o neutro se desconecte, e você tenha um bom aterramento após a medição o sistema continuaria funcionando com fase e terra?”

Em outras palavras, a dúvida do leitor parece repousar numa eterna polêmica entre o entendimento correto da função do “terra” e do neutro.

Na época a pergunta se perdeu dentro de dezenas de outras que chegam quase todo dia na minha caixa de e-mails e acabei não respondendo.

Na verdade julguei que a reposta merecia mais do que um simples “sim ou não” e demandaria uma explicação mais detalhada, pois quem me acompanhe sabe bem que eu sou adepto dos “por quês”. As coisas para mim tem que ter explicação científica, senão é pura magia ou simpatia daquelas que se usa para curar unha encravada!

O tema ficou na minha pauta, mas outros projetos “furaram a fila” e acabou não sobrando tempo e para esclarecer, com a rapidez que a dúvida do leitor merecia (vida de aposentado não é fácil). Enfim, chegou a hora.

Talvez a primeira coisa talvez seja entender qual a diferença entre “uma coisa e outra coisa” para tentar acabar com a eterna polêmica terra versus neutro.

De uma forma bem sucinta pode-se começar por um conceito que sempre deve ser lembrado:

PELO NEUTRO PASSA CORRENTE, MAS PELO “TERRA” NÃO

(ou pelo menos não deveria).

Só esta afirmação já poderia responder a dúvida, mas talvez valha a pena acrescentar, pode até funcionar, entretanto não é uma formar correta.

Mas por que não é a forma correta, parece-me que é a pergunta que se impõe neste momento.

O neutro é um condutor fornecido pela concessionária de energia junto com a(s) fase(s) para o retorno da corrente elétrica, enquanto o “terra” é feito por uma haste metálica ligada a Terra (solo) e, o mais importante, NÃO DEVE haver corrente circulante por ele.

Então para que serve o “terra”?

A principal função do “terra” é proteger as pessoas caso haja algum “vazamento” de tensão para a carcaça do equipamento, seja por um problema de isolamento ou eletromagnética. Assim se o equipamento estiver convenientemente aterrado (como um chuveiro elétrico, por exemplo) e uma pessoa fizer contato com a carcaça, a diferença de potencial entre a pessoa e a Terra será praticamente nula e, portanto não circulará corrente pelo corpo do “pobrezinho” e ele não levará choque.

Não custa lembra que o que produz o choque (e até pode matar) não é a tensão e sim a corrente, mas para haver corrente tem que haver tensão e uma resistência no caminho por onde circulará a corrente que no caso, será o corpo do “infeliz”.

O aterramento tem também a função de desviar para a Terra cargas eletrostáticas acumuladas na carcaça, bem como fornecer um caminho alternativo para descargas atmosféricas e viabilizar o funcionamento de dispositivos de proteção como o DR, por exemplo.

Será você já está convencido que não deve usar o “terra” como neutro?

Mas então porque, às vezes, o equipamento funciona?

Uma prova de que “funciona” é que quando queremos descobrir qual dos fios de uma instalação é a fase e qual é o neutro ligamos uma lâmpada entre cada um deles e um ponto aterrado como um eletroduto de ferro, algum cano ou vergalhão. O fio que fizer a lâmpada acender será a fase e o outro o neutro.

Por onde circulou a corrente? Pela Terra, não é mesmo? Mas a Terra não é um fio e dependendo do ponto onde estivermos sua resistência irá variar e é aí que a coisa começa a “dar ruim”, como dizem por aí.

Então a Terra neste caso “funcionou” como o neutro? Sim e já entenderemos por que.

Os diversos tipos de aterramento

Na NBR5410, que é a “bíblia sagrada” das instalações de baixa de tensão e sempre deve ser consultada para tirar as dúvidas, existe uma secção em que são definidos os possíveis sistemas de aterramento, designados pelas siglas TT, TN e IT que veremos a seguir.

Comecemos entendendo esta “sopa de letrinhas”. O primeiro T significa “um ponto diretamente aterrado” e o segundo T quer dizer “massas diretamente aterradas, independentes do aterramento eventual de um ponto de alimentação”. A letra I significa “isolamento de todas as partes vivas em relação a Terra ou aterramento de um ponto através de uma impedância” e finalmente a letra N quer dizer “massas ligadas diretamente ao ponto de alimentação aterrado (em AC o ponto aterrado é normalmente o Neutro)”.

Sistema TN-SSistema TN-C

Além disso, encontraremos os sistemas TN-S e TN-C onde o S significa “funções de neutro e de proteção formadas por condutores SEPARADOS” enquanto o C é “funções de neutro e de proteção COMBINADAS e um único condutor (designado por PEN)”.

Sistema TTO melhor sistema sem dúvida é o TT onde o neutro é aterrado na entrada e deve seguir como fio neutro na cor azul até a carga. A massa do equipamento será aterrada em haste independente do aterramento do neutro.

A seguir temos o sistema TN-C que embora esteja previsto na norma não é uma boa opção, uma vez que o fio terra e o fio neutro formam um único condutor designado pela sigla PEN. Desta forma após o neutro ser aterrado na entrada ele mesmo vai ligado ao neutro e a massa do equipamento.

Uma opção que fica entre a TT e TN-C e a TN-S onde embora o neutro também seja aterrado na entrada, ele é levado em SEPARADO até a carga. Neste caso utiliza-se outro condutor como fio terra e que deve ser da cor verde ou verde e amarelo e neste caso é designado por PE.

O sistema IT é similar ao TT, porém o aterramento da carga é feito através de uma impedância de valor elevado a fim de limitar a corrente de falta a um valor tal que não seja perigoso para o ser humano, mas que possa ser monitorado evitando que o equipamento seja imediatamente desligado. Este sistema deve ser utilizado em hospitais e em particular em centros cirúrgicos. Não me estenderei sobre ele neste artigo.

No caso particular de um sistema monofásico como o que o leitor se referiu, a utilização do terra como neutro, embora não seja correta, é bom que se frise, pode até funcionar e não trazer problemas aos equipamentos, mas em sistemas bifásicos ou trifásicos a falta do neutro pode ser fatal, pois o retorno em vez de ser feito pelo neutro passará a ser feito por algum equipamento comprometendo que ficará em série com os outros.

Este é um assunto mais complicado e ficará para outra oportunidade para que o post não se estenda demais.

Espero ter elucidado a dúvida do leitor e o artigo traga uma luz (sem trocadilho) para aqueles que por motivos profissionais ou não precisam ser envolver com uma questão tão relevante em uma instalação elétrica e algumas vezes menosprezada pelas pessoas.

Como “brinde” a quem se interessar deixo aqui um material que preparei para um Curso Básico de Instalações Elétricas Prediais que ministrei há uns três anos aqui no Rio num Curso Técnico.

Até sempre.

 

 

 

4/5 - (1 vote)

Paulo Brites

Técnico em eletrônica formado em 1968 pela Escola Técnica de Ciências Eletrônicas, professor de matemática formado pela UFF/CEDERJ com especialização em física. Atualmente aposentado atuando como técnico free lance em restauração de aparelhos antigos, escrevendo e-books e artigos técnicos e dando aula particular de matemática e física.

Website: http://paulobrites.com.br

22 Comentários

  1. Joaquim

    Caro Professor Paulo,

    Baixei gratuitamente o CURSO BÁSICO DE INSTALAÇÕES ELÉTRICA PREDIAIS.
    É um material de excelente qualidade, Certamente o Sr. dedicou muito tempo para confecciona-lo. Gostaria de fazer um pagamento único pelo pelo mesmo. Posso fazer um depósito diretamente na sua conta. Seguramente, a quantia que poderei depositar, nem de longe, cobrirá o valor do material que obtive, porém será uma pequena e singela forma de reconhecer o seu excelente trabalho. Aguardo seus comentários.

    • Paulo Brites

      Caro Joaquim, fico grato
      Você pode fazer uma doação via pagseguro (não precisa ter conta lá) usando um dos banners que aparecem na lateral esquerda do blog (é só rolar a tela).
      Via cartão ou boleto em diversos valores recorrentes ou únicos.
      Este material foi preparado para um curso presencial que ministrei aqui no Rio.
      Acho que assim simplica mais.

      • Joaquim

        Caro Prof. Paulo

        Acabo de fazer a doação via boleto, no valor de R$ 50,00.
        Muito agradeço e desejo que o Sr. continue fazendo este excelente trabalho.

        • Paulo Brites

          Já vi, muitissimo obrigado

  2. Joaquim

    Caro Sr. Paulo.
    Excelente e esclarecedora explicação. A melhor que encontrei na Internet.

    • Paulo Brites

      Ótimo Joaquim
      Este assunto é bem complexo Eu tentei fazer uma abordagem que informasse o mínimo necessário e ajudasse a compreensão mesmo de pessoas que não sejam do ramo, por se tratar de algo muito importante.

  3. Julio

    Beleza bem esclarecedor.

    • Paulo Brites

      Obrigado pelo retorno

  4. EDSON FERNANDES

    amigo estou montando um sistema OFF-GRID, que funcionará a base de energia solar o eletricista me informou que por ser off-grid, o mesmo precisará de 2 aterramentos, um ATERRAMENTO FUNCIONAL que ele me explicou irá ser o próprio neutro do sistema uma vez que o mesmo não usara o neutro que entra em minha residência através da distribuidora e um ATERRAMENTO DE PROTEÇÃO, isto é correto mesmo.

    • Paulo Brites

      Caro Edson
      Eu não sou especialista em sistema de energia solar e não posso te responder.
      Vou ficar devendo esta, não dá pra saber tudo. De qualquer maneira o assunto me interessou e como sou curioso vou pesqueisar sobre ele.

  5. William

    Obrigado amigo pela intecao de repassar seus conhecimentos, amo eletrica e calculos, seu texto me foi muito util.

    • Paulo Brites

      Que bom, William

      • Roger

        Sr. Paulo em algumas linhas de leitura acima, percebi que temos algo em comum, dedico meu tempo em equipamentos vintage portanto, estou a procura de um MIXER 6060 CCE, se tiver alguém em sua cidade com este equipamento, mande um e-mail, pois em minha cidade não tem nem pra remédio. Obrigado!!!

        • Paulo Brites

          Caro Roger
          Esse aí tá pior do que vacina para Covid.
          Eu não conheço, mas fica aqui o comentário, quem sabe que alguém se habilita.
          Infelizmente não tenho mais tempo para me dedicar as estes equipamentos. As aulas de eletronica on line me consomem 48 horas por dia, mas é por uma boa causa. Tem levar um pouco do que aprendi a quem procura.

      • Paulo Witkowski

        Boa tarde Sr. Paulo.
        Preciso instalar uma ducha elétrica 220v.
        Como saber se o fio NÃO energizado é neutro ou terra.
        Obrigado

        • Caro Paulo, a mau ver teria que ver de onde está partindo este fio fica dificil dar uma resposta sem ver a instalação. Não sei se um eletricista experiente teria como te dar esta inforamação. Não quero ariscar e dizer bobagem.
          Lamento não poder te ajuar mais.

  6. José Paulo

    Obrigado Paulo.
    A prioridade agora é aguardar o artigo sobre FP, mas bem mastigado, onde possa ser calculador com calculadora comum. O seno e o coseno pode ser retirado do grafico.

    • paulobrites

      Para breve Estou trabalhando nele.
      Abraços

  7. José Paulo

    Então, não levamos choque porque estamos no mesmo potêncial ou seja terra terra.

    • paulobrites

      Exatamente. O choque elétrico é a passagem da corrente pelo corpo. Para haver corrente tem que ter uma diferenã de potencial entre dois pontos que produza no corpo uma corrente de valor significativo. Acontece que o neutro é um fio cuja resistência sabemos qual é. O terra é a Terra cuja resistencia é variável dpendendo do ponto onde estamos por isso não pode ser ser usada como conduto de corrente.
      Você me deu uma boa ideia para um artifo sobre choque elétrico. Aguarde
      Abraços

  8. José Paulo

    Uma curiosidade. Se o neutro é retorno e circula corrente por ele, por que não levamos choque ao segura-lo.
    Se pegar um circuito com apenas uma lâmpada e pedir a corrente com amperimetro, ele vai realmente marcar o valor da corrente tanto se for colocado no fio neutro como no fase.
    Então, onde está a magina de nao levar cheque nele?
    Seria DDP, seria porque eu estaria teoricamente com a mesma ddp?
    Meu corpo não estaria agindo como uma ligação paralela, digamos vem o neutro em um fio, mais a frente entra meu corpo (mão), tanto ele como eu estamos com os “pés”, e neste caso ——======== teria dois caminhos para a corrente circular, mas não levo choque.

    • paulobrites

      Olá José Paulo
      Adoro quando surgem dúvidas como estas. Muito boa a sua pergunta e você mesmo quase a respondeu.
      Seria não, é porque o neutro está com a mesma ddp que o terra (ou muito próximo dela) A “magia” ocorre porque a concessionária aterra o neurtro.
      Masm cuidado porque se o sistema for bifásico (220V) fase-fase, você levará um choque (e dos bons).
      Respondi sua dúvida ?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *